Save the Children e Hopem reunem governo e sociedade civil para discutir direitos da rapariga
A Save the Children juntamente com a Rede Homens pela mudança (Hopem) e a Girls Education ChallegeUK aid realizaram, na última sexta-feira (18), um Seminário de reflexão e advocacia sobre os direitos da rapariga, que tinha como propósito criar um espaço de discussão sobre os diversos aspectos que afectam a rapariga. Estiveram presentes neste encontro - que teve lugar no edifio do Ministerio da Educacão e Desenvolvimento Humano (MINEDH), em Maputo – a Ministra da Educação e Desenvolvimento Humano, Conceita Sortane, representantes do Ministério da Educação, do Interior, do Trabalho e Segurança Social, Género, da Criança e Acção Social, Transportes e Comunicações, Directores da Save the Children e Rede Hopem, representantes dos Clubes da Rapariga das provincias de Tete, Manica e Gaza, representantes de diferentes organizações da sociedade civil que trabalham em prol da rapariga, entre outros.
Representantes dos Clubes da rapariga das províncias de Tete, Manica e Gaza expressaram as suas preocupações diante das entidades governamentais, e de forma conjunta reflectiu-se sobre as medidas que possam resultar na redução dos diversos males que afligem e minam o progresso dos sonhos e desenvolvimento integral da rapariga. As inquietações ora expostas resume-se, de forma geral, na fraca observância dos direitos da rapariga: a desistência da rapariga no ensino secundário, excesso de trabalhos domésticos, descriminação de raparigas assim como rapazes com deficiencia, casamentos prematuros, assédio sexual e a consequente distência da rapariga a escola, longa distância casa-escola, fraca capacidade financeira dos encarregados de ducação para custear os estudos, falta de carteiras nas escolas, fraca divulgação da Lei 6/99 de 2 de Fevereiro, de proibição de entrada de menores em locais de diversão nocturna, violação dos direitos das crianças, falta de transporte e de escolas de ensino secundáro nas comunidades, intimidação entre rapazes e raparigas, violação doméstica que caba levando a rapariga a desistir da escola.
Referindo-se aos Clubes da rapariga, o Director do Programa de Desenvolvimento e Qualidade da Save the Children, Henk Van Beers, considerou-osum espaço importante para que elas possam interagir com os seus pares, amigos e aprender a partilhar ideias. Na mesma intervenção, Henk Van Beers explicou que uma das razões que motivou a parceria entre a Save the Children e a Rede Hopem é o facto de a Hopem promover mudança de comportamento, atitude entre rapazes e homens, uma vez que, no seu entender, quando se fala de direitos da rapariga deve-se tambem falar dos rapazes. “Podemos usar como exemplo a gravidez. Se uma rapariga fica grávida, toda a responsabilidade recai sobre ela. Toda essa situação afecta muito mais a vida da rapariga do que daquele homem ou rapaz que a engravidou. Se ela estiver em idade escolar, terá que ser transferida para o curso nocturno. Não sendo seguro para uma rapariga caminhar durante a noite, ela acaba desistindo. Por fim, o direito da rapariga à educação acaba sendo negado por causa de medidas como estas. Para concluir, Henk Van Beers desejou que “os adultos presentes levem em consideração estas preocupações nos processos de tomada de decisão e de acção.”
Igual abordagem teve o Coordenador nacional da Rede Hopem, Julio Langa, que considerou ser importante que preocupaçõès como estas sejam tomadas com mais seriedade. “Não é a primeira vez que se realiza um fórum de reflexão para a questão da rapariga. Neste contexto, é preciso que se questione o que está a falhar, faltar, o que é preciso ser feito e quais são os principais entraves ao direito da rapariga. Não estamos a fazer um favor à rapariga, mas sim aquilo que nos constitui obrigação. Existem muitos instrumentos de que somos signatários, mas a questão é até onde vamos com esses instrumentos, até que ponto se reflectem nas nossas acções, que não devem se renstringir à escola. Temos que falar de accountability em todos esses espaços. Como é que nós como adultos nos responsabilizamos quando nos deparamos com uma situação de violência, abuso. Mais do que compromisso temos que rever as nossas acções sobre esses compromissos.”
Júlio Langa sugeriu ainda que nesses fóruns tenha que haver prestação de contas sobre tudo o que se tem estado a fazer em prol da rapariga. “Temos tambëm que manter a discussão sobre cultura. Continuamos a ter muitas hesitaçoes para interpelar, discutir, questionar a nossa cultura. Continuamos a ter receio em interpelar o que é nosso. Não devemos ter receio de reconstruir o que tiver que ser na nossa cultura, sempre que tal implicar o bem-estar da rapariga. Temos que dialogar com os rapazes, porque vivem na mesma sociedade, até que eles estejam em condições de apoiar os direitos da rapariga e perceber o que são esses direitos.”
Despacho 39/2003 deve ou não ser abolido?
Uma das questões apresentadas pelos clubes da rapariga neste seminário diz respeito ao despacho nº 39/GM/2003, exarado em 2003 pelo Ministério da Educação, o qual solicitam a sua abolição por considerá-la descriminatória para a rapariga. O despacho em questão sugere que alunas grávidas, que frequentem entre 7a a 12a classes não podem continuar a estudar no curso diurno,e recomenda que estas passem para o curso nocturno ou façam ensino à distância. Trata-se de um instrumento que na opinião do Director do Programa de Desenvolvimento e Qualidade da Save the Children, Henk Van Beers“é um exemplo de adultos com boas intenções e interesse de proporcionar o melhor para as crianças, mas não necessariamente da melhor forma. Esse tipo de medida acaba prejudicando o acesso da rapariga à educação.”
Segundo explicou o Director-nacional para os assuntos transversais do MINEDH, Ivaldo Quincardete, a criação do despacho foi motivado pelo elevado índice de desperdicio escolar que se verifica pelo facto das alunas se apresentarem grávidas no decurso do ano lectivo e por outro lado resultar fundamentalmente nos próprios docentes que ultrapassando a natureza da sua relação profissional para com as mesmas criam um mau ambiente na escola. No entanto, conforme acrescentou, porque tem havido, por parte da sociedade civil e parceiros de educação alguma contestação, por alegarem estar-se a prejundicar duplamente a aluna, acabou sendo criado um grupo de trabalho, constituído por membros do MINEDH, parceiros de cooperação e da sociedade civil. “Estamos a rever o presente despacho. Já avançamos bastante. Já foi debatido, inclusive realizou-se, no ano passado, um encontro de auscultação entre alunos, profesores, membros do conselho de escola, sociedade civil, confissões religiosas, no qual pôde-se concluir que havia alguns a favor e outros contra o despacho. O grupo continua a debater, tendo inclusive submetido a sua proposta ao Conselho técnico do Ministério da Educação, que deu orientações para se retrabalhar o documento.”
Mais adiante o responsável esclareceu que a esta altura, o que falta é um econtro com a sociedade civil, para que posteriormente se avance para o ponto mais alto que é o Conselho Consultivo, dirigido pela Ministra da Educação. O assunto já foi também submetido à Assembleia da Republica. Caso seja abolido o despacho “Moçambque será o primeiro país ao nível da África Austral. Num dos fóruns internacionais de que fiz parte, em que estavam representados seis países, Moçambique era o único país que dá possibilidade à aluna em causa passar para o curso nocturno, não havendo, abre-se espaço para que o Conselho de Escola discuta a possibilidade de deixar a menina frequentar o curso diúrno. Nos outros países isso não acontece, a menina perde o ano e só volta no ano seguinte, à excepção da África do Sul, que tem uma escola reservada para estes casos.”
Comentando sobre as outras preocupações expostas relacionadas à qualidade dos próprios serviçoes de educação, Ivaldo Quincardete preferiu deixar que os números falassem por si. “A nossa última actualização indica que temos, em todo o país, 13.500 escolas, destas, 750 são secundárias e cerca de 7 milhões de alunos. É muita gente. O governo gostava de dar boas oportunidades a todas as crianças, escolas bem construidas, com boas casas-de-banho, mas é preciso que se perceba que para fazer tudo isso é necessário dinheiro, e é precisamente esse dinheiro que não chega para satisfazer aquelas necessidades por vezes básicas. Temos estado a construir muitas escolas primárias e secundárias. Antes da independencia, por exemplo, tinhamos poucas escolas secundárias, mas hoje orgulhamo-nos por ter pelo menos uma em quase todos os distritos.”
Complementando os pronunciamentos do Director-nacional para os assuntos transversais do MINEDH, a Ministra da Educação e Desenvolvimento Humano, Conceita Sortane admitiu que um dos maiores problemas verificados na educação é a não retenção da rapariga na escola, que tem como uma das causas o casamento prematuro, gravidez precoce, colocando a menina numa situação de extrema vulnerabilidade, exclusão e perigo. “As preocupações expostas pelas crianças são legítimas, e nós como adultos temos que dar respostas sobre as medidas a tomar. É um assunto sobre o qual temos estado a discutir em vários fóruns ao nível do ministério, para ver que alternativas de retenção da rapariga e o rapaz na escola; ensiná-los a se recusar sofrer abuso sexual. A melhor forma de fazer com que esta flor não murche é garantido que os seus direitos constitucionalmente consagrados sejam respeitados.”